Apparentia fallunt
A maioria quer homem que banque,
grande, parrudo, com cara de tanque.
Bonito? Nem tanto, que isso passa,
mas que tenha grana — e nunca fracassa.
Cultura? QI? Bobagem! Coisa cansada.
Preferem alguém que pague a escapada.
Se for calvo, tudo bem,
desde que o saldo no banco vá bem.
Buscam também um bom pai de verdade,
mesmo que os filhos venham da metade.
Querem alguém que abrace a missão
de ser afeto, cuidado e proteção.
Os tais requisitos, todo mundo já viu:
que seja atencioso, não muito infantil,
carinhoso e doce no jeito de ser,
e que saiba, na cama, o que deve fazer.
Mas ela não era do time comum,
gostava de charme, de algo incomum.
Não quis um armário com músculos mil,
quis um que a olhasse além do perfil.
Ele era baixinho, magrelo, elegante,
com voz de veludo, olhar penetrante.
Andava com apoio, passos bambos no chão,
mas sem barulhinho — só discreta emoção.
Não tinha casa no campo, nem grana no cofre,
mas tinha bom gosto, conversa que sofre.
Sabia da vida, da arte, do som,
e um tempero na cozinha que dava um bom tom.
Cumpria o pacote dos quesitos sagrados,
aqueles que deixam corações acelerados:
gentil, respeitoso, com toque sutil
e talento escondido num torto viril.
Ser bom pai? Era. Mas isso nem veio
no topo da lista, no início do enredo.
Só que ela quis, logo ao primeiro jantar,
saber do seu rumo, de onde veio o andar…
Ele, sincero, contou resumido,
mas foi o bastante — e tudo foi ido.
Assustou-se com traços da vida vivida,
com dores, com perdas, com luta sofrida.
Achou que era drama demais pra lidar,
e foi embora sem sequer provar.
Do beijo prometido, do toque febril,
dos segredos quentes do torto viril.
Estava bom demais pra ser realidade,
e ela fugiu — por pura ansiedade.
Mas fazer o quê? Medo é vilão,
e ela fugiu do que mexe o chão.
Preferiu um pacote bem previsível,
com selfie no espelho e papo risível.
Ele, tranquilo, seguiu seu caminho,
com afeto, saber, sem precisar de vizinho.
E o talento guardado, sem causar alarido,
segue reservado pra quem faz sentido.
Porque o mundo é grande e, no seu quadril,
ainda há quem deseje o torto viril.