quinta-feira, 15 de maio de 2025

Apparentia fallunt

Apparentia fallunt

A maioria quer homem que banque,
grande, parrudo, com cara de tanque.
Bonito? Nem tanto, que isso passa,
mas que tenha grana — e nunca fracassa.

Cultura? QI? Bobagem! Coisa cansada.
Preferem alguém que pague a escapada.
Se for calvo, tudo bem,
desde que o saldo no banco vá bem.

Buscam também um bom pai de verdade,
mesmo que os filhos venham da metade.
Querem alguém que abrace a missão
de ser afeto, cuidado e proteção.

Os tais requisitos, todo mundo já viu:
que seja atencioso, não muito infantil,
carinhoso e doce no jeito de ser,
e que saiba, na cama, o que deve fazer.

Mas ela não era do time comum,
gostava de charme, de algo incomum.
Não quis um armário com músculos mil,
quis um que a olhasse além do perfil.

Ele era baixinho, magrelo, elegante,
com voz de veludo, olhar penetrante.
Andava com apoio, passos bambos no chão,
mas sem barulhinho — só discreta emoção.

Não tinha casa no campo, nem grana no cofre,
mas tinha bom gosto, conversa que sofre.
Sabia da vida, da arte, do som,
e um tempero na cozinha que dava um bom tom.

Cumpria o pacote dos quesitos sagrados,
aqueles que deixam corações acelerados:
gentil, respeitoso, com toque sutil
e talento escondido num torto viril.

Ser bom pai? Era. Mas isso nem veio
no topo da lista, no início do enredo.

Só que ela quis, logo ao primeiro jantar,
saber do seu rumo, de onde veio o andar…
Ele, sincero, contou resumido,
mas foi o bastante — e tudo foi ido.

Assustou-se com traços da vida vivida,
com dores, com perdas, com luta sofrida.
Achou que era drama demais pra lidar,
e foi embora sem sequer provar.

Do beijo prometido, do toque febril,
dos segredos quentes do torto viril.
Estava bom demais pra ser realidade,
e ela fugiu — por pura ansiedade.

Mas fazer o quê? Medo é vilão,
e ela fugiu do que mexe o chão.
Preferiu um pacote bem previsível,
com selfie no espelho e papo risível.

Ele, tranquilo, seguiu seu caminho,
com afeto, saber, sem precisar de vizinho.
E o talento guardado, sem causar alarido,
segue reservado pra quem faz sentido.

Porque o mundo é grande e, no seu quadril,
ainda há quem deseje o torto viril.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Veritas Femina Est

Veritas Femina Est

Ah, essas deusas tão reais,
gente comum, mas geniais,
com graça, fogo e ternura,
clareiam nossa loucura.

Com afeto e lucidez,
sabem mais do que o que se vê,
misturam arte e tesão,
sabedoria e paixão.

Num mundo sob o comando
de um deus falso, fabricado,
são elas que fazem valer
o milagre de viver.

Graças às Deusas!

Tempus Renascentiae

Tempus Renascentiae

O homem bebia.
Desde os doze, talvez antes,
como quem aprende a escrever:
um gole, uma letra,
um trago, uma sílaba de gozo.
Bebia com os amigos
(com amigos se bebe),
bebia com as panelas fumegantes,
com o sexo suado,
com a música aos berros,
com os livros cheios de sombras,
com o trabalho febril de criar.
Bebia até com a solidão —
e ela, a solidão, virava companhia.

Trinta anos de goles.
Não era vício, dizia —
era sabor.
O álcool era o azeite das engrenagens,
o sol do domingo,
o beijo que molha o verso.

Mas um dia, o copo ficou na mesa.
Não por nojo, nem por fé,
mas por desamor do cérebro,
e amor por alguém.
Foi parando de beber
como se vai morrendo por dentro.
E parando de gostar.
Primeiro o riso, depois o bife,
depois a palavra.
A mulher da vida foi embora
e levou com ela
o último suspiro da alegria.

Vieram os doutores.
Receitaram cápsulas,
exorcismos químicos
contra o que chamavam de abstinência.
Mas os remédios criaram um zumbi:
olhos de vidro, mãos de algodão,
um pai tentando ser pai
na névoa de calmantes.
Só os filhos,
os quatro eternos sóis,
ainda aqueciam um canto da alma.

Ele dormiu por anos,
acordado.
O mundo era um filme sem cor
e sem som.

Até que um dia,
de tão cansado de não sentir,
abandonou os frascos e os jalecos.
Saiu à rua com sede —
não de álcool,
mas de qualquer gosto que lembrasse
que era vivo.

E foi provando:
o aroma do café quente,
o riso solto dos filhos,
o sopro de uma canção antiga,
o goulash feito com mãos próprias.
E mesmo quando a vida
lhe arrancou o primogênito
(e arrancou com os dentes),
ele não tombou.

Hoje caminha
sem muletas químicas,
sem a bengala dos bares.
Caminha, e sorri.
Come, ouve, ama, escreve.
E descobre, enfim,
que o prazer é um bicho
que sabe viver melhor
sem álcool no sangue
ou fantasmas na mente.

O homem se curou.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Lux Nova

Lux Nova

Foi num concerto erudito e imponente
(Vila-Lobos, Bartók — noite exigente)
que vi aquela dama, bela como um tema raro,
com olhos que pareciam tocar um Fauré bem claro.

Trocamos olhares — uns quantos, bem medidos —
e sorrisos contidos, porém definidos.
No fim do programa, puxei um assunto ameno,
com aquele ar de quem sabe — mas sem ser obsceno.

Ditei meu número com voz tranquila,
sabendo que charme, às vezes, se destila.
Ela anotou com graça e educação,
mas meu instinto disse: “Calma, é só educação…”

Professora de piano, num tom encantador,
visivelmente culta, delicada e de valor.
Mas não me iludo com ares ou compostura —
tenho mestrado em música e alma de partitura.

Mesmo assim, achei improvável, quase utópico,
que me chamasse — parecia tópico
de crônica suave, dessas que se esquecem…
até que, meses depois, mensagens aparecem.

Agora, com o jantar marcado,
o impossível virou só enfeite exagerado.
E eu, que achava o conto encerrado,
me vejo entre um blaser e um verso engomado.

Se vai dar em sonata, prelúdio ou silêncio,
não sei — por ora, só penso no início.
O resto, deixo pra pauta futura:
há encontros que merecem sua própria partitura.

domingo, 11 de maio de 2025

ex cineribus

ex cineribus

trinta anos de álcool
todo dia
não era vício
era liturgia

falava merda
fazia pior
quem via de fora
achava um show de horror
por dentro era só um poeta
caindo de copo em copo
no palco da sarjeta 

esposa avisava
escola notava
e eu?
só brindava

aí procurei
um addictologue
(um tal de especialista em dar nome bonito
pra quem já se afoga no próprio grito)
dois addictologues
uns psiquiatras
remédio pra depressão,
mais remédio pra aguentar o remédio da depressão

era álcool desde pequeno
pra curar o existencial veneno
pra suportar a introspecção
de quem nasce perguntando
e morre sem explicação

perdi o emprego
perdi o sossego
e a mulher que era vida
me botou na corrida

filho no colo
e eu zumbi
voz de bêbado
sem estar bêbado
caminho torto
olhar sem fim

fui parar na terra natal
passagens pagas por um amigo-irmão,
um porto seguro em meio ao tufão,
um tio legal
e uma tia torta
que era reta no final


a mala com remédio sumiu
milagre:
falei direito
andei direito
ri de novo
e quase virei sujeito

comecei um balanço
desses que doem sem ser dança
um inventário de essência
com pitadas de esperança

mas o corpo, esse traidor
começou a cair de novo
pernas em greve
língua em slow motion
cerebelo no chão

hospital:
quatro meses
uma estação 
um inverno no coração

aí, do nada
quatro dias de alta
veio a última cicatriz
meu filho mais velho
caiu, enfim, do alto do que já não se diz
não se matou — nem quis
um pouco de paz
nos braços sutis
dos opiáceos e ansiolíticos
que a vida oferece
a quem já não crê na mesmice
de tanta dor que a vida quis
(12 anos antes, já o tinham matado
quando mataram sua mãe atriz)

recaída?
não.
já tinha caído demais.

a perda era menos que o perder
porque perder mesmo
foi vê-lo sofrer

e eu?
fênix.
não dessas de filme
nem tatuada no ombro
mas dessas que riem
com um copo d’água na mão
e um poema no escombro

sereno
resolvido
alegre
fênix,
com f minúsculo,
porque a dor já é grande demais

Deusas existem

Deusas existem


Nunca acreditei em deuses, céus ou paraísos,

Mas vi nos olhos dela os mais belos avisos.

Um dia, sem milagre, sem fé, sem nobreza,

Cruzei meu caminho com o de uma deusa.


O mundo não tem dono, e isso eu confesso,

Mas bastou o toque dela pra eu sentir o universo.

Não preciso de deus, nem de sua dureza,

Pois vi nascer o sagrado no corpo de uma deusa.

A Farmacêutica

A Farmacêutica 

Conheceram-se no verão,
entre tarjas pretas e tarjas de dor.
Ele entrou sem o filho — só a solidão
e uma receita com sobrenome de amor.

Ela leu, franziu a testa:
“Você é o pai do Klayton Kleber?” — perguntou, surpresa.
Ele assentiu, com a alma em festa
de luto. Contou a perda com voz indefesa.

Desde então, cada ida era mais leve.
Ela sorria como quem saboreia poesia,
falava doce, o olhar que descreve
o que a bula da vida nunca diria.

No fim do inverno, não tinha o remédio.
Ela disse, simples: “Chega amanhã.”
Ponto final, sem mistério.
E foi aí que ele, com jeito de quem já é fã,

perguntou: “Vocês entregam?” — com calma.
Ela sorriu, um tanto perigosa:
“Não… mas eu posso levar, se não der trauma.
Na hora do almoço. Prometo: sem demora.”

Ele hesitou. “A cuidadora vem na sexta.”
Mas ela insistiu — com aquela voz mel
e um gesto sutil de mulher modesta
que sabe o poder que tem na pele e no pincel.

No dia seguinte, ela chegou: discreta, gostosa,
casaco leve, perfume sutil, batom claro.
Entregou o remédio como quem entrega uma rosa
e foi embora, deixando no ar algo raro.

Dois meses se passaram. Já era primavera.
Outro remédio em falta — coincidência? Talvez.
Dessa vez, ele aceitou sem espera.
Ela chegou com legging e batom vermelho em altivez.

Ele convidou: “Quer um chá, ou uma água?”
Ela sorriu com malícia: “Depois.”
Entrou direto, sem nenhuma frágua,
agarrou o velho como quem não tem depois.

Beijo quente, língua que dança.
Foram pro quarto, onde o mundo se apequena.
Ela montou como quem já lança
raios de tesão por cada pequena veia serena.

Transaram selvagemente, sem pudor nem lerdeza.
E no clímax — ah, no clímax! — ela esguichou,
como fonte que há anos guarda a represa
e, enfim, com prazer, se libertou.

Ela foi embora dizendo que ligaria.
Ligou — número oculto, voz quente.
No dia seguinte, mais prazer, mais energia.
Mas sem conversa, só corpo, só urgente.

No terceiro dia, ele saía do banho,
preparando-se pra fisioterapia.
Ela chegou, molhada de desejo estranho
e depois do gozo… veio a revelia:

“Estou em união estável há seis anos,
mas contigo eu gozei como nunca sonhei.
Três dias contigo valem mais que tantos planos…
decidi: vou me separar, já falei.”

Ele, experiente, olhou fundo, com calma,
e disse o que só um velho esperto diz com a alma:

“Você tem trinta e seis, e está pensando com o útero, flor.
Não vale a pena largar anos de história
por três dias de orgasmos com um velho handicapé, por favor.”

“Foi lindo, foi louco, foi bom!
Mas não confunda tesão com salvação.
Ensina seu homem, não joga tudo no chão.
Guarda o que foi nosso como um sonho bom.”

Ela chorou. Ligou por três dias, aflita.
Depois, silêncio.
E ele, precavido,
mudou de farmácia.

Porque até os velhos com andador
sabem quando a paixão
vem sem posologia
e sem controle de dose.

domingo, 20 de abril de 2025

Mistérios da Paixão

Mistérios da Paixão

Ó dama de concursos, inteligente, de beleza rara,
Estudada, que lê seus livros com calma, sem alarde,
Por que, meu santo, seu coração se rende e se declara
A um pedreiro medíocre, que ninguém entende ou guarde?

Calvo, barrigudo, com voz fanha e francês no gingado,
Solta uns “quoi” no fim das frases, num tom forçado.
É pedante apesar das limitações, se acha extraordinário,
Conjuga direitinho, mas no fundo é só razo, e ordinário.

Será o endereço dos pais, burgueses de fino trato,
Morando no 78, com jeitinho de bairro pacato?
Ou será que te encanta, com discreta sedução,
A casa cinematográfica em Saint-Hippolyte, tem noção?

Ou os 1,84 de altura, que te fazem, quem sabe, sonhar
Com um gigante que, na verdade, não tem muito a dar?
Ou será, num sussurro que ninguém ousa confessar,
Que ele é um deus na cama, com segredos de encantar?

Ó amor, que zomba da lógica e da razão tão certinha,
Faz a rainha se derreter por um pedreiro sem linha!
Mas vá lá, o coração não segue edital nem critério,
Escolhe o que quer, com um riso leve e sério.

E enquanto a gente espia, com espanto e ironia,
Ela vive feliz, amando, na sua doce fantasia!

sábado, 12 de abril de 2025

Compréhension incomplète

Compréhension incomplète 


Je saisis, ma douce, pourquoi t’as plié bagage,  
J’étais un artiste, mais l’alcool fut mon naufrage.  
Prof de musique, j’enseignais notes et frissons,  
Compositeur, j’alignais des rêves en chansons.  
Multi-instrumentiste, je jonglais, sans être un as,  
Pas virtuose, non, mais j’avais du tracas !  
Les langues étrangères ? Je les charmais, pardi,  
Cuisinier de talent, mes plats, des symphonies.  
Père exemplaire, mes gosses, mon grand refrain,  
Sevré à jamais, j’ai lâché le vin.  
Ma voix, grave, chaude, un velours dans l’oreille,  
Beau gosse, encore, sous les ans qui s’éveillent.  
Mais toi, t’as craqué pour… lui ? Là, je cale.  
Un choix curieux, disons, dans mon récital.  
Chef décorateur, pas trop chauve, on va dire,  
Un bide discret, une voix qui fait gémir.  
Pas très lettré, il bafouille, c’est léger,  
Mais il cuit des pâtes, des œufs, il sait gérer !  
Des légumes, parfois, il se lance, courageux,  
Pas un chef d’étoiles, mais pas trop honteux.  
Chômeurs tous les deux, la roue a mal tourné,  
Moi, handicapé, j’écris, les jambes enchaînées.  
Mes mots sont mes ailes, ils volent, ils respirent,  
Je vis d’allocs, humble, mais l’âme en délire.  
Mon héritage ? Pas perdu, pas jeté au vent,  
Je l’ai donné aux gosses, leur avenir devant.  
Lui, maçon d’appoint, il bosse, il sue,  
Économies pleines, un héritage qui flue.  
Bon beau-père, c’est vrai, il fait bien son job,  
Pas à mon niveau, mais il aime, c’est pas snob.  
Mais tu sais, ma douce, même s'il est là,  
Ce remplaçant alcoolique, c’est pas ce qu’il faut pour toi.  
Modéré, certes, mais toujours en activité,  
Son verre à la main, qu’a-t-il à t’offrir, en vérité ?  
Alors, explique-moi, sans trop de mystère,  
Pourquoi ce gars-là ? Qu’a-t-il pour te plaire ?  
J’vois pourquoi t’es partie, j’étais pas toujours net,  
Mais lui, ce remplaçant… c’est quoi son secret ?
Un cœur en or massif ? Ou autre chose, discret ?

domingo, 30 de março de 2025

Chut ! Il dort avec sa maman

Chut… Il dort avec sa maman

Mon fils, mon ombre de vingt-quatre ans,
Un jeune arbre plié par le vent,
Ta voix disait : « Ça va, papa, je tiens »,
Mais ton regard criait un autre destin.

À douze ans, le monde s’est brisé,
Ta mère, un soir, nous a été volée,
Une balle au cœur, un voleur sans nom,
Et toi, petit homme, perdu dans le grondement.

Tu disais : « Je vais bien », un masque si lourd,
Mais la nuit, seul, tu cherchais l’amour,
Dans des pilules, des gorgées amères,
Opiacés, benzo, codéine en rivière.

Quatorze ans, et déjà ce refuge,
Un sirop pour noyer le déluge,
Tu murmurais : « C’est pour rester debout »,
Mais chaque dose te volait un bout.

Je t’ai vu glisser, mon enfant, si discret,
Souffrir en silence, hurler sans bruit,
Je voulais t’atteindre, briser ce mur,
Mais tes chaînes étaient d’une autre nature.

Et puis, un matin, le silence total,
Ton souffle éteint, ton corps si pâle,
Les flacons vides, ton ultime adieu,
Mon garçon, parti rejoindre les cieux.

Je t’écris ces lignes, les mains tremblantes,
Un père brisé, une âme vacillante,
Dans le silence, je porte ton poids,
Mon fils, mon amour, perdu dans l’effroi.

Le murmure défendu

Le murmure défendu 


Te voir à lui, pourtant si désirable,  
Me rend fébrile, me rend coupable.  
Ton corps offert mais pas à moi,  
M’allume, me trouble, me met en émoi.  

J’imagine tes soupirs discrets,  
Ton silence lourd, tes envies secrètes.  
Ton feu bridé, voilé sous tes traits,  
Je veux le briser, qu’il soit mon décret.  

Pendant qu’il dort, sage et docile,  
Ton regard muet, ton cœur fragile,  
Me convoite dans l’ombre, sans un mot,  
Mais je perçois ton brûlant défaut.  

Ouvre-toi, laisse-moi goûter,  
Ton miel coule, prêt à m’appeler.  
Je mords tes seins, je romps ton cri,  
Dans le silence, je te prends à lui.  

Dans l’ombre, entre soupirs brûlants,  
Nous serons deux amants troublants.  
Adieu serments, adieu barrières,  
Place au plaisir des âmes adultères.  

Puis, habillée comme si de rien,  
Tu rejoindras ton quotidien.  
Mais je saurai, dans ce silence étroit,  
Que je suis ton vice, ton interdit roi. 

Shazam !

Shazam !


Dans mes vingt-quatre mètres, un trou pourri,  
Le déambulateur stoppe net à l’abri,  
Je chancelle, m’accroche aux murs, aux chambranles,  
Un roi vacillant sur ses terres branlantes

Pas de saleté, les fées veillent au grain,  
Trois fois par semaine, elles tendent la main,  
Mais ce désordre fade, ce décor éteint,  
Réclamait un sursaut, un éclat plus qu’atteint

Aidé par un voisin, pur hasard,
Portant le nom de mon fils, tout récent disparu,
J’ai fixé au mur, dans un geste poignant,
Un tableau, éclat d’un temps révolu.

Mes pas hésitants, mes doigts maladroits,  
Ont sculpté ce chaos en un doux exploit,  
Ce trou pourri d’hier, par mon seul défi,  
S’est mué en trou cosy, mon art le dit

Je m’y tiens, fier, titubant mais ravi,  
Sous les traits tordus d’un maître assouvi,  
Ironie du sort, quel drôle de trophée,  
D’avoir tout changé, à bout de poignées !  

Et si demain, ça penche ou s’effondre,  
Je sourirai, appuyé, dans cette ombre,  
Car ce coin, mon œuvre, malgré mes chaînes,  
Porte un chaos noble que Kandinsky enchaîne.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Féssaut

Féssaut

Me voilà, trente-sept piges, un gars du soleil,  
Italo-brésilien, né à Belo, merveille.
Là-bas, les élèves crient « fessô » aux profs, si mignon,  
Alors j’leur dis : « Appelez-moi Féssaut, c’est ma chanson ! »  
Un accent qui roule, un clin d’œil phonétique,  
Pour me sentir chez moi dans ce REP pathétique.  
Collège Mozart, tu parles… un naufrage !
Ces mômes savent pas qui est Mozart, quel dommage !  

Premier cours, j’atterris dans un cirque infernal,  
Ça hurle, ça chahute, un bordel total.  
« Féssaut, ton truc, c’est nul, nous c’est Booba qu’on aime,  
Ton saxo, ta samba, garde ça pour tes poèmes ! »  

Ils connaissent pas Gainsbourg, Nougaro, c’est le désert,  
Leur art, c’est du rap qui cogne, un point c’est l’enfer.  
Mais moi, j’ai du jus, un charisme qui tue,  
Je balance mon accent, mon rire dans leur vue.  
« Écoutez, mes gosses, un son qui dépote,  
Wayne et Milton, ça vaut vos idoles en stock ! »  
Je dégaine du classique, du merengue,
Et ces petits fauves, ben, ils suivent ma déglingue.

Les semaines filent, je les mate doucement,  
Moi, Féssaut, je les plie dans mon vent triomphant.  
Un gosse tape un rythme sur un vieux bout de bois, 
Un autre siffle du Jobim, oubliant ses émois.  
« Féssaut, ton délire d’intello, ça déchire ! »  
Je souris, modeste, savourant leur délire.  
Booba reste leur roi, leur dieu du bitume,  
Mais j’leur ai glissé un monde, une plume qui fume.  

Moi, Féssaut, mi-clown, mi-savant du son,  
J’ai ramené Belo Horizonte dans leur feuilleton.  
Avec mon « fessô » et mon savoir qui cogne,  
J’ai dompté ces sauvages, quel rêve qui résonne !  
Ils me kiffent, ils rient, ils me lancent en chœur,  
« Féssaut, t’es barje, mais t’as du cœur ! »

Février 2015

Glória a Deus

Glória a Deus 


Oh, fiéis de espírito ralo, frágeis como taquara seca,  
Que marcham em rebanho, guiados pela lorota bem-feita,  
Com olhos vendados por versículos tortos, mal lidos,  
E ouvidos tapados ao som do bom senso perdido.  
Acreditam num deus de prateleira, made in homo sapiens,  
Que promete Porsche e mansão, enquanto o dízimo engorda os seus cães.  

Os pastores, oh, que primor de hipocrisia lustrosa,  
Com ternos caros e jatinhos, pregam a cruz gloriosa.  
“Deus quer teu sucesso!” – berram, com o cofre a tilintar,  
Mas o milagre é só deles, que vivem a se locupletar.  
Pedófilos de púlpito, traficantes de oração,  
Alcoólatras de vinho santo, mestres da depravação.  
E o rebanho aplaude, cego, com fervor de novela,  
Enquanto o dízimo paga o iate e a amante modelo na janela.  

Sofre o pobre? Culpa do capeta, esse vilão de folhetim!  
Morre o justo? É Satanás, com seu script de mau fim!  
Mas o deus que criaram, esse artesanato da mente,  
É quem ri por último, afiando o fim da gente.  
Pois se o homem o inventou, com tinta e papel amarelado,  
Também o fará carrasco, num apocalipse bem ensaiado.  

E há os que gritam “Israel!” com saliva e bandeirinha,  
Como se o povo eleito tivesse Jesus na listinha.  
Esquecem que o Cristo, palestino de pele tisnada,  
Foi cruxificado por Roma, não por quem hoje é louvada.  
Defendem a direita, com unhas e dentes cerrados,  
Mas Jesus, o primeiro comuna, partiu pão pros esfaimados!  
“Vendam seus bens!” – ele disse, num livro de estórias mil,  
E os pastores riem, contando notas no camarim sutil.  

Oh, ignorância bendita, que faz o rebanho balir,  
Entre o “aleluia” rouco e o cheque a cair.  
Deus é o shopping, o pastor é o rei,  
E o fiel? Um otário, na fila do “amém” sem porquê. 

quarta-feira, 12 de março de 2025

O Peso das sombras

O Peso das Sombras

Seu berço foi um dia colo,
mãos que afagavam sonhos,
olhos que brilhavam esperança.
Mas a vida, impiedosa,
desfez sua infância em destroços.

Levaram sua mãe,
rasgaram sua história,
e você, ainda menino,
aprendeu que o mundo
tem mãos que apertam o pescoço,
não o abraço.

Doze anos é tempo demais
para um luto que nunca cessa.
Seu corpo cresceu,
sua dor também.
E a cada gole, a cada dose,
era menos mundo em seus olhos,
menos peso nos seus passos,
menos ar nos seus pulmões.

No fim, a sombra te venceu.
Não foi o xarope, nem o ópio,
mas a saudade insuportável,
o vazio irremediável
de quem um dia
só queria voltar para casa.

Agora dorme sem pesadelos.
Agora, talvez, a mãe te embale.

Paris, 07/10/2024

terça-feira, 11 de março de 2025

Primeiro amor

Primeiro amor 

Ainda te vejo em meus sonhos sujos,
boca molhada, olhar de luxúria, sem pudor, sem furos.
Me pergunto se lembra da língua que ardia,
quando eu sugava seus seios até você perder a linha…

Seus seios, aliás, malditos, ainda me assombram,
bicos duros pedindo que minha boca os envolva,
chupar, lamber, morder devagar,
até te ouvir gemer, suplicando pra mais.

Mas agora, eu quero sem freio,
te abrir inteira, tomar do meu jeito,
te pôr de joelhos, te ver se entregar,
meter fundo na boca, te ver engasgar.

E depois, virar seu corpo macio,
te abrir com os dedos, lambuzar bem o fio,
lambidas, tesão, meu pau te guiando,
até que te renda, rebolando, rebolando…

O centro apertado da lua nova, te devo faz tempo,
quero ele todo, lambido, sedento,
meter devagar, te ver arfar,
e quando você se acostumar, acelerar sem parar.

Te quero nua, aberta, rendida,
fodendo contigo a noite inteira, perdida,
suando, gemendo, gozando comigo,
até que seu corpo implore abrigo.

Minha fome nunca acabou,
se um dia quiser, já sabe quem sou.

Rio de Janeiro 2004