quarta-feira, 18 de junho de 2025

Sacra vetita

Sacra vetita

Muito antes da pressa e do trânsito,
a flor já florescia.
Ali por volta de 10.000 a.C.,
na Ásia que viraria China ou Mongólia,
já se colhia maconha com respeito.

Era comida,
era corda,
era papel de oração.
E quando a dor apertava,
vinha a cura:
insônia, inflamação,
desassossego —
tudo tratado com flores e serenidade.

Shen Nung, imperador e herbalista,
assinava a receita:
a flor alivia.
O tetra hidro canabidiol,
esse nome longo e honesto,
já fazia milagres antes de ser proibido.

Na Índia, virou sagrada.
O Atharva Veda a chamou de amiga.
Nos rituais, surgia no bhang,
bebida que subia suave,
acendendo a mente sem apagar o corpo.

Sitas no deserto,
inalando fumaça como quem invoca o tempo.
Na África,
era consagrada em tambores e curas.
E entre o Oriente e o Norte da África,
surgia o hax:
resina da flor,
concentrado da calma,
brasa ritual,
toque direto no pensamento.

Depois, Europa.
Idade Média,
idade da corda — de cânhamo.
Velas de navio,
camisa de camponês,
e papel onde se copiava
verso, lei e pecado.

Nas Américas, atravessou o oceano
com os colonizadores.
Foi cultivada, estudada,
e usada até por figuras ilustres
que hoje estariam presas.

No século XIX, era remédio.
Encontrada nas farmácias,
curava espasmos, acalmava mentes,
e ajudava artistas a escutar a cor azul.

Mas aí veio o século XX,
e com ele o medo.
Nos Estados Unidos,
a maconha virou alvo de racismo travestido de moral.
Campanhas, filmes toscos,
leis moldadas por preconceito e interesse.

O Marihuana Tax Act de 1937
foi mais censura que imposto.
Convenções internacionais seguiram o coro:
proibir uma planta
pra manter um sistema.

E assim,
a flor foi empurrada para a sombra,
não por seus males,
mas por sua liberdade.

Só que ela continua.
Maconha não grita.
Age em silêncio.
Aguça os cinco sentidos
— e talvez um sexto —
acalma sem apagar,
inspira sem iludir.

Afia a escuta,
desacelera o excesso,
abre espaço pra criatividade
como quem abre uma janela num quarto fechado.

Não entorpece —
desperta.

Proibir maconha é temer o que não se controla.
Manter a proibição é dar lucro a quem vende o caos.
É ignorância de terno,
ganância de farda,
e hipocrisia com bíblia na mão.

Enquanto isso,
a flor e sua resina pensam.
E quem as respeita,
pensa melhor.