segunda-feira, 23 de junho de 2025

Gaudia et cicatrices — vita procedit

Gaudia et cicatrices — vita procedit

Ela tem mágoa, e eu compreendo.
E talvez, por vezes, algo pior.
Não fui leve — tropecei tremendo
no que se espera de alguém maior.

Errei, e nem adianta disfarçar.
Fui ausente onde era pra ser inteiro.
Hoje, afastado, não posso amparar —
e o pior é que o problema é o dinheiro.

Sempre foi. Feriu mais nela do que em mim,
e eu via, mesmo sem saber lidar.
Mas também fui parte do que teve fim,
e do que — apesar de tudo — vai ficar.

Tenho noção do quanto desalinhei,
e do que restou torto, por distração.
Mas não renego o que a pele ofereci —
os risos, os orgasmos… a combustão.

Ela também me feriu, sem rodeios.
Ninguém sai incólume de amor profundo.
Mas o brilho venceu os devaneios,
e houve beleza no nosso segundo.

Peço e pedirei perdão sem vergonha,
com enorme gratidão no coração.
Mesmo se a mágoa nela ainda sonha,
carrego isso até meu último suspiro, então.

É amor que persiste, sem exigência
de retorno, promessa ou conciliação.
Mãe de três — vértice da minha essência —
ela reside serena no meu coração.

Perdoei meu pai — não por virtude,
mas por compreender que tudo se esgota.
Como não perdoar quem, em plenitude,
foi minha casa, mesmo em rota torta?

Só não perdoo — e não saberei jamais —
o desgraçado que, no peito, ceifou
a mãe do meu primogênito. E o que se faz
com o tipo de dor que nunca cessou?

O resto é silêncio, vida que caminha,
com cicatriz, memória e muita paz.
O que foi de verdade, a alma guarda,
mesmo quando parece que já não faço.