Injustiça
— Papai, me diz com clareza,
por que quem limpa a sujeira
tem sempre a cor da tristeza
ou da madeira?
Fiquei mudo uns segundos,
tentando o nó desatar:
há cores herdadas do mundo
que ninguém quis trocar.
Expliquei com tom sincero,
sem pesar nem fingimento:
— Filha, o sistema é severo,
pinta a cor com sofrimento.
Quem nasce perto do trono
não esfrega chão nem pia,
mas quem tem tom de outono
nasce varrendo o dia.
Não é que seja destino,
ou falta de vocação:
é que o mundo é um moinho
que mói gente na estação.
Distribui mal os lugares,
marca cedo quem vai servir,
e fecha os mesmos altares
pra quem só quer existir.
— Mas isso é justo, papai?
— Nem um pouco, meu amor.
Só que o costume distrai,
e a injustiça tem cor.
Mas sua pergunta, menina,
já faz brotar rebeldia:
quem pensa, muda a rotina,
mesmo com rima vazia.
Quem sabe um dia, Florzinha,
quando for grande, então,
ninguém mais lave sozinha
a sujeira da exclusão?