domingo, 1 de junho de 2025

Ūnicae

Ūnicae

Foi o amor mais puro, mais sincero, mais intenso — desses que parecem ter sido escritos por um poeta febril, e não vividos por dois seres imperfeitos. Anos de devoção quase mística, um tesão desmedido, beirando a obsessão, como se amar fosse perder-se com gosto no outro. E eu me perdi. Pisei feio na bola. A separação veio como sentença. Não houve apelação, apenas o silêncio e a distância.

Anos depois, compreendi — com a sobriedade que só o tempo e a abstinência trazem — que foi uma das melhores coisas que me aconteceram. Parei de beber. Parei de me enganar. Fui um desastre com ela, sim. Mas também fui jardim em dia de primavera, porto seguro em noite de tempestade. Tenho plena consciência disso.

Até tentamos retomar uma amizade nos últimos tempos, mas sua chatice, que é uma característica recente, presente coincidentemente desde que ela começou a fazer análise, acabou por me despertar, por um lapso de tempo, minha maladresse que a incomodava tanto, e isso deu um banho de água fria no processo de retomada da amizade. Amizade que não acredito mais ser possível, afinal, além de ela me ter “riscado da sua vida”, segundo ela mesma, a pessoa deliciosa que foi uma grande amiga durante dez anos antes de nós apaixonarmos, parece não mais existir.

Ela, por sua vez, tornou-se aquilo que mais temia: intolerante, dura, azeda como vinagre velho. Seu jeitinho agressivo, aquele jeito bruto que só mostrava a quem mais confiava, virou espada afiada. Riscou meu nome do seu livro da vida com a fúria de quem queima cartas antigas. Ela guardou os desastres como troféus, enquanto eu carrego as alegrias como cicatrizes que brilham. Não creio que um dia ela se permita ver que também feriu, que também quebrou coisas que eu não consegui colar. Talvez nunca reconheça que fui, além de desastrado, também motivo de risos, de orgasmos, de ternura.

Mas, como não sou dono da razão, e aprendi que o mundo é um redemoinho imprevisível — quem sabe?…

Hoje sigo em paz, feliz com o que o destino me reservou. E, ao contrário da eterna musa, não a risquei, nem a riscarei da minha história. Ela mora num canto do coração onde as luzes são suaves, e a trilha sonora é a do sexo que faz esquecer quem se é. Porque seu segredo, a arma mais poderosa, é esse: o sexo divino. Aquilo que hipnotiza mesmo os homens mais lúcidos.

E se um dia — por obra do acaso ou das perversões do destino — eu puder reviver essa magia… não negaria. Mas que não passe disso. Sem promessas, sem armadilhas.

Porque sei, com uma certeza serena, que ela foi — e sempre será — a mulher da minha vida. E, ao mesmo tempo, aprendi que a vida é larga, generosa e cheia de surpresas. E que é totalmente possível ter outra mulher da minha vida. Ou mais de uma. Ou nenhuma. Porque amar, às vezes, é deixar ir. Outras vezes, é ficar quieto. E seguir.