A Grande Esfera do Destino
Em um vilarejo enclausurado por cogumelos gigantes que pulsavam luz ao menor toque e cilindros de borracha erguidos como colunas de um templo estranho, vivia uma comunidade que, à sua maneira, conhecia a harmonia.
Chamavam-se Termieten. Não por escolha — mas por natureza.
A sociedade era rígida e perfeita. Uma monarquia sem soberano. Havia um rei, uma rainha — mas nenhum deles governava. Eram símbolos vivos, repositórios da experiência ancestral. A comunidade funcionava como um organismo. Operários, soldados, reprodutores — cada casta sabia seu papel. Ninguém mandava. Ninguém desobedecia. Todos trabalhavam para o bem comum. Havia ordem, e nisso, paz.
Falava-se ainda dos alados — uma casta mítica, de membros raros, com asas delicadas e destino incerto. De tempos em tempos, um ou outro alado partia em busca de terras mais férteis, menos barulhentas, onde talvez a Esfera não alcançasse. Nenhum jamais voltava.
Apesar de não haver chefe, castigo ou coerção, havia uma única regra — não escrita, mas inquestionável — que todos seguiam como se fosse lei ancestral:
Jamais subir ao além entre dez da manhã e meia-noite.
Não por medo. Mas por sabedoria. Contava-se que, se algum Termieten ousasse subir durante o tempo da Esfera, mesmo que voltasse ileso, toda a comunidade sucumbiria em poucas horas, sufocada por uma força invisível, incompreensível, letal.
Foi então que Feline — embora seu nome oficial fosse Emma, como tantas outras — cedeu à dúvida. Curiosa, audaciosa, exausta da rotina, cansada da serragem e da obediência, decidiu que ver a Esfera de perto era mais importante que qualquer aviso.
Feline estava no fim da adolescência, aquela fase em que o mundo parece mais estreito do que realmente é. Era rebelde, inconformada. E naquela sexta-feira, por volta das sete e quarenta da noite, subiu ao além — ainda sob efeito da serragem fermentada, que havia exagerado na noite anterior. A cabeça girava, mas os olhos ardiam com excitação e o coração batia como nunca antes.
No além, tudo era luz e caos. A Esfera rugia, batia, ricocheteava. As plantas gritavam, os cogumelos pulsavam em estalos de luz. O chão tremia, vibrava.
E então ela viu: um monstro colossal, de braços estendidos — como se os usasse para controlar o universo — olhos vidrados, tentava evitar que a Grande Esfera do Destino caísse no limbo. Quando falhava, o titã ativava um dispositivo que lançava outra esfera no além, reiniciando o ciclo. Era uma dança frenética, absurda, sem sentido aparente — e ainda assim, hipnotizante.
Feline se escondeu, observou, e depois desceu.
Ilesa.
Ninguém soube.
“Lorota do rei”, pensou.
E dormiu.
Dois dias depois, o ar mudou.
Primeiro, um incômodo leve, quase imperceptível. Depois, a opressão. Os soldados desmaiavam. Os operários erravam seus turnos. A rainha silenciou. Os últimos alados tentaram levantar voo — mas o ar já não sustentava mais nada.
Um a um, os Termieten tombaram.
Feline, a última, rastejou até o centro do vilarejo. Olhou para cima, tentando respirar. Sentiu o peso do além sobre o peito. E então, caiu.
A máquina continuou a piscar.
Ela só para de meia-noite até as dez da manhã.
E os clientes fumavam, conversavam, riam, enquanto a Grande Esfera do Destino seguia seu curso, incansável, lançada de um lado a outro dentro de um velho fliperama, num coffee shop em Amsterdã.
Tilt.