quarta-feira, 18 de junho de 2025

Ars musicae

Ars musicae

Antes da bíblia, do grito, do verbo
já se soprava em ossos de pássaros.
Não era prece, nem pedido,
era flauta.
Aurignacianos, sem saber,
tocavam sinfonias para o escuro.

Vieram os tambores,
batucando peles e medos,
coagulando o tempo em compasso.
Veio a dança pintada em caverna,
o batuque que moveu a pedra
e a alma (se isso existia).

Muito antes do fiat lux,
já se cantava.
E talvez deus não tenha dito nada —
só assoviou um tema em modo menor.

Os neandertais, segundo consta,
tinham ritmo.
É possível que se apaixonassem
por meio de uivos sincopados.
Darwin, meio surdo, mas esperto,
achou que música servia
pra seduzir,
e não é que serve?

Bebês batem palmas sem saber por quê.
Pássaros flertam em falsete.
Gorilas dançam quando chove.
O que mais você quer como prova?

Escrevemos partituras em argila.
Inventamos escalas, ragas,
estrofes, árias e autotunes.
Platão desconfiava do tom menor.
Schopenhauer preferia Wagner.
No fundo, ambos queriam silêncio —
mas com trilha.

A música, dizem, é universal.
E é verdade:
ninguém escapa dela,
nem mesmo no elevador.

Os povos dançam, rezam, casam,
marcham, transam, enterram,
sempre ao som de algo.
Se não tem música,
o ritual é fraco, o gozo é morno,
o luto não pega.

E enquanto isso,
o maestro amigo me sopra entre goles:
“Gosto não se discute,
aprimora-se”.
E aprimoramos.

Mas uma coisa é certa:
deus não existe.
Existem as Deusas,
e a sublime, sagrada,
arte das musas.