quinta-feira, 22 de maio de 2025

Terra rotunda est

Terra rotunda est

Mexerica eu conheci
na fila do supletivo.
Eu já meio fora de si,
ele com ar pensativo.

Nem fiz prova, nem fiquei.
Era cedo, eu já chapado.
E o que a escola não me dei,
a rua deu — bem parcelado.

Tocávamos violão,
mas com rumos diferentes:
ele fez do som missão,
eu tentava, entre acidentes.

Fui de baixo, fui de piano,
trompete, quem diria!
Nunca fui bom — não me engano —
mas a alma se perdia.

Ele, firme no dedilhar,
chôro puro, Garoto inteiro.
Eu deixava o jazz falar
numa escala sem roteiro.

Quase trinta, criei coragem,
fiz as provas de uma vez.
Peguei um voo, nova viagem:
Paris me abriu sua altivez.

Graduação, mestrado e vinho.
Lá fui aluno aplicado.
Mexerica, outro caminho:
doutorado — também em galo.

Ele veio, fez, voltou.
Nem nos vimos, veja só.
Cada um se graduou
do seu jeito, com seu nó.

Hoje a vida separou
as guitarras e os refrões.
Mas de longe ainda ecoou
nossa amizade em dois tons.

A Terra é redonda, irmão,
mas cheia de curva escondida.
E às vezes, sem previsão,
ela acerta… a nossa vida.