Terra rotunda est
Mexerica eu conheci
na fila do supletivo.
Eu já meio fora de si,
ele com ar pensativo.
Nem fiz prova, nem fiquei.
Era cedo, eu já chapado.
E o que a escola não me dei,
a rua deu — bem parcelado.
Tocávamos violão,
mas com rumos diferentes:
ele fez do som missão,
eu tentava, entre acidentes.
Fui de baixo, fui de piano,
trompete, quem diria!
Nunca fui bom — não me engano —
mas a alma se perdia.
Ele, firme no dedilhar,
chôro puro, Garoto inteiro.
Eu deixava o jazz falar
numa escala sem roteiro.
Quase trinta, criei coragem,
fiz as provas de uma vez.
Peguei um voo, nova viagem:
Paris me abriu sua altivez.
Graduação, mestrado e vinho.
Lá fui aluno aplicado.
Mexerica, outro caminho:
doutorado — também em galo.
Ele veio, fez, voltou.
Nem nos vimos, veja só.
Cada um se graduou
do seu jeito, com seu nó.
Hoje a vida separou
as guitarras e os refrões.
Mas de longe ainda ecoou
nossa amizade em dois tons.
A Terra é redonda, irmão,
mas cheia de curva escondida.
E às vezes, sem previsão,
ela acerta… a nossa vida.