sexta-feira, 27 de junho de 2025

Um Serraqueo em Paris

Um Serraqueo em Paris 

Acordei com o tipo mais específico de saudade: coxinha com catupiry. Não era fome, era memória. Daquelas que se escondem na língua e atacam de surpresa, como se o estômago tivesse calendário próprio. E justo hoje, em Paris, com esse calor infernal de verão temperado, que combina com Pastis e pétanque, e, claro, com frango empanado e requeijão cremoso.

Serraqueo da rua Gravataí — título que carrego com orgulho e certo sotaque — comecei meu ritual matinal: ristretto com croissant (duplo fingimento), ducha morna, jornal Libération numa aba do tablet, Estado de Minas numa outra. Essa dança franco-mineira que venho ensaiando há anos, como quem tenta convencer a alma de que mudou, mesmo quando o coração ainda pede tropeiro com torresmo.

Folheando o jornal, dei de cara com notícias do Cabuloso. Nostalgia, camisa azul, lembranças de rádio AM e estádio lotado com a China Azul. Do outro lado da página, aquele time monocromático cujo mascote é uma ave empoleirada na empáfia. E foi nesse cruzamento de símbolos que a coxinha voltou ao pensamento — com catupiry escorrendo como lágrima de ex-namorado arrependido.

Tentei fugir do desejo. Escrevi um poeminha singelo, desses que ninguém lê e só servem pra gente fingir que elaborou o que sente. Mas era inútil. A larica crescia e o estômago cantava alto, estilo Janis Joplin em fim de show, sem maquiagem e com os seios à mostra.

Abri o Google: “coxinha com catupiry Paris”. O motor de busca engasgou. Ofereceu curso de francês, artigo sobre o tráfico internacional de queijo e, inexplicavelmente, um texto sobre a fauna brasileira. Insisti. Achei três restaurantes “brasileiros”, entre aspas e de avental engomado. Um servia feijoada às terças com garfo e faca (!). Outro oferecia “coxinha vegan de lentilha com tofu defumado”. A alma mineira em mim chorou.

Fui ao Instagram. Vi queijo minas, goiabada cascão, guaraná, empadinhas sorridentes. Até pão de queijo meio murcho, mas ainda assim heróico. Nada, porém, de catupiry. Um influenciador até mostrava uma coxinha, dessas esguias, com cara de jejum intermitente. Uma lágrima escorreu — metafórica, mas sentida.

Última esperança: Uber Eats (o Ifood daqui). Encontrei açaí gourmet (com morango e granola francesa), pão de queijo recheado de brie, pastéis com sotaque parisiense e uma tal “tortinha de frango ao queijo fondue”. A fome venceu. Pedi. Nove euros. Sem taxa de entrega. Quase um roubo poético.

Comi em silêncio, olhando pela janela, pensando na padaria da rua do Ouro. Aquela que abria antes do sol e fechava depois do último torcedor passar. O balcão cheirava a fermento, conversa fiada e café ralo. A moça do caixa usava tiara de oncinha e distribuía “bom dia” como bênção.

Paris tem o Louvre, sim. Tem a Torre, os filósofos, os vinhos. Mas não tem coxinha com catupiry. E isso, meu amigo, nem Camus explica.

Amanhã talvez eu acorde querendo só um croissant. Talvez tente esquecer. Mas sei que não vai passar. Porque quem já provou uma boa coxinha mineira sabe que não existe equivalente no mundo — nem mesmo em Paris.

E aqui sigo, Serraqueo em exílio voluntário, com saudade servida em porção individual, sem acompanhamento.