sexta-feira, 27 de junho de 2025

O preço das palavras

O preço das palavras

Centoevinte euros. Foi isso que me cobrou a advogada da minha ex — por quem, diga-se, ainda cultivo respeito, carinho e uma admiração consciente. Centoevinte euros por uma carta. Uma carta, vejam bem, de 217 palavras. Fiz questão de contar. Palavra por palavra. Porque, afinal, cada uma delas me custou 0,553 centavos de euro. Sim, fiz a conta. Me dei esse pequeno luxo matemático antes de pagar.

Ela estudou direito. Eu, “direitinho”. E talvez esteja aí a diferença. Ela aprendeu a empilhar palavras para que valessem dinheiro. Eu insisto em empilhá-las para que valham sentido. Ela usa modelo pronto — insere nome, endereço, data, CPF. Eu uso alma, confusão, e erva sagrada como combustível.

A carta em si é só um protocolo. Atesta, com a frieza necessária, que estamos dispostos a dar ao fim a dignidade de um papel timbrado. Não há rancor ali. Nem poesia. Apenas a formalidade do mundo moderno em seu estado mais nu e cru: caro.

Fiquei pensando se esse descompasso de valores sempre existiu. Se, desde o início dos tempos, a palavra “encerramento” valia mais do que “começo”, ou se apenas agora estamos vivendo essa inversão dos afetos.

Porque eu também vendo palavras. Baratinhas. Escritos singelos, em livros de 48 páginas, que custam ao leitor módicos 8 euros. E mesmo assim, às vezes, escuto um “tem desconto se levar dois?” como quem compra tomate na feira.

A advogada — eficiente, objetiva, precisa — me cobrou por sua prática. E eu não contesto. Ela estudou direito, repito. E eu estudei direitinho, mas em outra língua: a do sentimento, do vago, daquilo que não assina contrato nem dissolve união com clareza.

Fiquei me perguntando se poesia tem alguma utilidade hoje em dia. Não utilidade prática, claro. Poesia não resolve divórcio, não devolve senha de banco, não substitui escritura. Mas talvez sirva para o que sobra. Para aquilo que vem depois da assinatura, depois do envio da carta, depois do silêncio. Poesia é o que ressoa quando o assunto termina.

Se eu cobrasse 0,553 por palavra escrita, meus livros custariam o preço de um vinho muito bom. Mas não cobro. Porque, no fundo, sei que a poesia não tem cotação no mercado. Nem deveria. Tentar calcular o valor de um verso é como medir a profundidade de um suspiro.

E, mesmo assim, ela persiste. A poesia. Vive nos interstícios dos dias. Numa música que toca fora de hora, numa lembrança que se repete como um refrão teimoso, num e-mail que você nunca enviou.

Paguei os centoevinte euros. Com uma pontinha de ironia e outra de resignação. Afinal, a vida adulta exige que a gente pague — por palavras, por silêncio, por passado. A carta foi enviada. Está tudo resolvido. Exceto, talvez, essa diferença irreconciliável entre o que custa e o que vale.

Ela estudou direito. Eu, direitinho. Ela aprendeu a escrever palavras que encerram. Eu continuo tentando escrever as que abrem.