sábado, 28 de junho de 2025

ArTesão

ArTesão

Não tenho o dom da marreta,
da pá, do cimento, da trena.
Minha obra não é de parede —
é verbo, é verso, é cena.

Não ergo casas no chão,
mas mundos na imaginação.
Minha argamassa é palavra,
meu alicerce: a emoção.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Gaudia et cicatrices — vita procedit

Gaudia et cicatrices — vita procedit

Ela tem mágoa, e eu compreendo.
E talvez, por vezes, algo pior.
Não fui leve — tropecei tremendo
no que se espera de alguém maior.

Errei, e nem adianta disfarçar.
Fui ausente onde era pra ser inteiro.
Hoje, afastado, não posso amparar —
e o pior é que o problema é o dinheiro.

Sempre foi. Feriu mais nela do que em mim,
e eu via, mesmo sem saber lidar.
Mas também fui parte do que teve fim,
e do que — apesar de tudo — vai ficar.

Tenho noção do quanto desalinhei,
e do que restou torto, por distração.
Mas não renego o que a pele ofereci —
os risos, os orgasmos… a combustão.

Ela também me feriu, sem rodeios.
Ninguém sai incólume de amor profundo.
Mas o brilho venceu os devaneios,
e houve beleza no nosso segundo.

Peço e pedirei perdão sem vergonha,
com enorme gratidão no coração.
Mesmo se a mágoa nela ainda sonha,
carrego isso até meu último suspiro, então.

É amor que persiste, sem exigência
de retorno, promessa ou conciliação.
Mãe de três — vértice da minha essência —
ela reside serena no meu coração.

Perdoei meu pai — não por virtude,
mas por compreender que tudo se esgota.
Como não perdoar quem, em plenitude,
foi minha casa, mesmo em rota torta?

Só não perdoo — e não saberei jamais —
o desgraçado que, no peito, ceifou
a mãe do meu primogênito. E o que se faz
com o tipo de dor que nunca cessou?

O resto é silêncio, vida que caminha,
com cicatriz, memória e muita paz.
O que foi de verdade, a alma guarda,
mesmo quando parece que já não faço.

domingo, 22 de junho de 2025

Cancri humanitatis

Cancri humanitatis

A Terra exausta sua em febre branda,
mas o mercado alega: “É só demanda.”
Deus, nas prateleiras, vira promoção:
“Compre a Verdade e leve a Salvação!”

O câncer avança — fé metastática —,
cura-milagre, dor dogmática.
Rezando em coro, o rebanho tropeça,
crendo que o dízimo paga promessa.

Do outro lado, em ternos de Excel,
o lucro posa de anjo fiel.
Sorri, privatiza, depois terceiriza:
quem morre de fome é quem mais valoriza.

A ciência alerta: estágio I.
Mas o sistema já fede, sim.
Há sintomas visíveis, necrose fria —
o nome disso? Neoliberal mania.

A única chance, sem cirurgia,
é anarcocomunismo com naturoterapia.
E o ateísmo, calmante eficaz,
tira o delírio, devolve a paz.

O corpo é coletivo, a alma é matéria.
Ninguém se salva sozinho na miséria.
Desliga o templo, rasga o cifrão:
cura se faz com vida em comunhão.

Cancri humanitatis

Cancri humanitatis

Religião, estágio III,
lucro, estágio I —
ambos sorrindo, aqui
no caos que vai por fim.

Um vende céu por tostão,
o outro corta a razão.
Pregam ordem, plantam dor,
colhem morte e dizem “amor”.

Mas há cura, ainda que fria:
naturoterapia.
Com ateísmo e rebeldia,
anarcocomunismo é poesia.

Humanitas aegrotat

Humanitas aegrotat

O mundo tem hoje 134 fogueiras acesas,
e só 3 bombeiros — bêbados.
Há conflitos com nome e sobrenome,
e outros tão antigos
que a gente já nasce devendo explicação.

A Rússia morde a Ucrânia como quem diz
“Isso sempre foi meu!”
E o Ocidente assopra com tanques e sanções,
enquanto finge que ajuda.

No Oriente Médio, o inferno tem CEP.
Desde 1948,
Israel ocupa, expulsa, mata, segrega — e se diz vítima.
Gaza virou uma palavra proibida
nos jantares elegantes.

O Hamas atira,
Israel responde com uma avalanche.
E o mundo calcula os mortos
como se fossem boletos vencidos.

No Líbano, o Hezbollah brinca de “quem começa?”
e o Irã manda presentes com pólvora.
A Síria virou tabuleiro de War,
mas sem manual de regras.

No Iêmen, o povo morre de tudo:
de guerra, de fome,
de falta de notícia.

Na África, tem guerra civil onde nem Estado há,
no Sudão, no Sahel,
no Congo, na Etiópia —
lugares onde a esperança não tem passaporte.

Na Ásia, a China sopra no cangote de Taiwan,
a Índia encara o Paquistão de sobrancelha erguida,
e no Myanmar a democracia foi presa
sem direito a habeas corpus.

E o Haiti?
Virou sinônimo de desespero.
O México e a Colômbia,
roteiros de narcos patrocinados pela omissão.

Enquanto isso, o Estado Islâmico
é tipo cupim:
atua no mundo inteiro, mas ninguém vê de onde sai.

E as potências brincam de roleta russa,
com flertes nucleares e risadinhas geopolíticas.
Trump ressurge como ressaca,
e a ONU escreve notas de repúdio em papel reciclado.

Menos ganância, abaixo à religião!
Que deus(??) desça, se quiser,
mas sem exército.

Mais tolerância, amor,
sexo (com consentimento!),
mais arte,
mais poesia,

porque matar por uma ideia
é o cúmulo da burrice —
e morrer por ela,
é só falta de criatividade.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Blauer Winter

Blauer Winter

Inverno azul, céu sem sombra,
hermana ao lado, presença que alomba,
Wiener Schnitzel, o gosto do dia,
calor que aquece em doce harmonia.

O tubarão ruge, cinema vivo,
ondas de metal, som expressivo,
orquestra germana, mar em festa,
invade o espaço, não se resta.

Italiano o quarteto desliza,
Si bemol em dança precisa,
sombra que nasce da luz contida,
groove que voa na noite sentida.

No Gorlitzer o ar é verdinho,
flor que sussurra no doce caminho,
fumaça leve em tom suspenso,
silêncio verde, dia intenso.

Planeta caeruleus, panis communis

Planeta caeruleus, panis communis

Menos hierarquia,
um pouco mais de anarquia (responsável),
nem tanta tirania,
nem caos irreversável.

Nem tanto ao céu,
nem tanto ao chão,
mas onde se colha
o que se põe à mão.

Neste planeta azul,
nossa casa milenar,
tanta ordem fez-se mula
sem vontade de pensar.

Chamaram de paz o medo,
de lei, a imposição,
de futuro, um degredo,
de justiça, a opressão.

Mas surgiram vozes firmes
no rastro da ilusão:
Kropotkin com seu pão livre,
Malatesta em rebelião.

Carlo Cafiero dizia:
“Comum deve ser o pão!”
E a fome não merecia
trono, farda ou patrão.

Na Comuna, um lampejo,
na Espanha, rebeldia,
na Ucrânia, o mesmo ensejo —
viver sem tirania.

O anarcocomunismo,
com sua chama tão sã,
não clama por abismo,
mas por mesa e manhã.

Nem senhores, nem muralhas,
nem partidos de exceção,
só redes onde se valha
a troca por afeição.

Cada qual com sua força,
cada um com seu lugar,
sem diploma de polícia
pra aprender a cuidar.

Pode soar utopia,
um delírio, uma paixão,
mas do caos e da agonia
brota a flor da solução.

Camaradas, não tem truque:
ou se parte essa prisão,
ou o planeta azul desaba
em silêncio e solidão.

Pode parecer sonhar demais,
mas há lógica na razão:
o anarcocomunismo
é, sim,
a solução.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Crer ou não crer: eis a questão

Crer ou não crer: eis a questão 

Sou ateu desde criança,
quando acabou a esperança
de que deus fosse verdade
e não só necessidade
de quem tem medo do escuro
e precisa de um futuro.

Percebi: coelho não põe ovo,
isso é papo bobo e novo
pra vender chocolate caro
no calor do calendário.

Depois, veio o velho imundo,
barbudo e sujo do mundo,
que só dá presente a quem tem,
e pra quem não tem: desdém.
Esse porco capitalista
disfarçado de altruísta
caga na lareira alheia
se a criança for da aldeia.

E teve ainda o Pinocchio,
mais um boneco e seu ópio.
Fé de madeira barata
que o nariz logo desata.

Mas mesmo sem deus no altar,
meu coração foi buscar
um outro tipo de fé —
de carne, perfume e pés.

Pré-adolescente, inquieto,
me encantei por um amuleto:
Deusas de carne e desejo,
com olhar que vale um beijo.

Depois, já um pouco crescido,
foi o feitiço que ouvi.
Feiticeiras com sorriso
que bagunçam meu juízo
e me encantam só de rir.

Na vida adulta, as bruxas.
Algumas doces, outras brutas.
Mulheres de força e vinho,
que cruzaram meu caminho,
e, no laço que formamos,
nós nos transformamos.

E agora, com mais idade,
acredito com vontade
em fadas — sim, de verdade.
Sábias, leves, transparentes,
com poderes tão potentes,
pra erguer meu coração
e reacender minha canção.

deus? Nunca vi, nem sinal.
Mas posso provar que elas —
as Deusas, as feiticeiras,
as bruxas e as tagarelas
fadas da mais pura idade —
existem. São verdadeiras!
Carne, gozo, riso, prazer:
minha forma de crer e ser.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

猫のフリッツ 5-7-5

猫のフリッツ 5-7-5

Fritz sous la lune,
Parfum d’herbe dans les rues…
Le miaule jazzy

Fritz le chat

Fritz le chat 

Fritz le félin rôde
Odeur d’herbe dans les codes —
La nuit, c’est son ode.



Arthur e o rap

Arthur e o Rap

Desde o berço, concertos de Brandemburgo embalavam-lhe os sonhos. Antes mesmo dos passos, vinham as palavras — claras, precoces — e, nos silêncios cúmplices entre pai e filho, desabrochavam Ligeti e Debussy. Na casa dos avós, e com a amada mãe atriz, vinham os ecos de bossa e do samba de raiz. O destino, esse velho ladrão de afetos, levou o pai por um tempo, mas não conseguiu levar o bom gosto. Arthur ouvia o que a babá chamava de música — “ela escuta música de rádio!” — e comparava com a lucidez de um pequeno crítico.

O reencontro foi como num filme que se recusa a ser triste. Com apenas três anos, ele cantou Chovendo na Roseira a capela. Vozinha angelical, afinação de espantar os anjos, expressão de velho sábio. Vieram os clubes de jazz com o pai, os papos com músicos adultos, como se fosse um deles. Começou as aulas de musicalização na Fundação e, quando a vida, cansada de separações, resolveu uni-los de vez — dessa vez na Cidade Luz —, ele mergulhou no Conservatório. Flauta doce barroca, depois violoncelo aos treze. Amava AC/DC, colecionava Mahavishnu. Era erudito e elétrico, clássico e caos.

Mas, aos quatorze, algo rompeu. Uma dor sem melodia. Quando entendeu o que acontecera com a mãe, o verbo explodiu. Os opiáceos e os “benzos” se tornaram abrigo químico — escudo contra o próprio ser. Largou os arcos, as partituras e a alegria. Abraçou o rap. Trocou a harmonia pela raiva, as notas longas pelo verbo cru. O mundo não merecia mais beleza. Não havia mais tempo para lapidar som — só urgência de cuspir palavra.

Não era música. Era sobrevivência.
Aqui jaz(z), Arthur - 03/06/2024

Sacra vetita

Sacra vetita

Muito antes da pressa e do trânsito,
a flor já florescia.
Ali por volta de 10.000 a.C.,
na Ásia que viraria China ou Mongólia,
já se colhia maconha com respeito.

Era comida,
era corda,
era papel de oração.
E quando a dor apertava,
vinha a cura:
insônia, inflamação,
desassossego —
tudo tratado com flores e serenidade.

Shen Nung, imperador e herbalista,
assinava a receita:
a flor alivia.
O tetra hidro canabidiol,
esse nome longo e honesto,
já fazia milagres antes de ser proibido.

Na Índia, virou sagrada.
O Atharva Veda a chamou de amiga.
Nos rituais, surgia no bhang,
bebida que subia suave,
acendendo a mente sem apagar o corpo.

Sitas no deserto,
inalando fumaça como quem invoca o tempo.
Na África,
era consagrada em tambores e curas.
E entre o Oriente e o Norte da África,
surgia o hax:
resina da flor,
concentrado da calma,
brasa ritual,
toque direto no pensamento.

Depois, Europa.
Idade Média,
idade da corda — de cânhamo.
Velas de navio,
camisa de camponês,
e papel onde se copiava
verso, lei e pecado.

Nas Américas, atravessou o oceano
com os colonizadores.
Foi cultivada, estudada,
e usada até por figuras ilustres
que hoje estariam presas.

No século XIX, era remédio.
Encontrada nas farmácias,
curava espasmos, acalmava mentes,
e ajudava artistas a escutar a cor azul.

Mas aí veio o século XX,
e com ele o medo.
Nos Estados Unidos,
a maconha virou alvo de racismo travestido de moral.
Campanhas, filmes toscos,
leis moldadas por preconceito e interesse.

O Marihuana Tax Act de 1937
foi mais censura que imposto.
Convenções internacionais seguiram o coro:
proibir uma planta
pra manter um sistema.

E assim,
a flor foi empurrada para a sombra,
não por seus males,
mas por sua liberdade.

Só que ela continua.
Maconha não grita.
Age em silêncio.
Aguça os cinco sentidos
— e talvez um sexto —
acalma sem apagar,
inspira sem iludir.

Afia a escuta,
desacelera o excesso,
abre espaço pra criatividade
como quem abre uma janela num quarto fechado.

Não entorpece —
desperta.

Proibir maconha é temer o que não se controla.
Manter a proibição é dar lucro a quem vende o caos.
É ignorância de terno,
ganância de farda,
e hipocrisia com bíblia na mão.

Enquanto isso,
a flor e sua resina pensam.
E quem as respeita,
pensa melhor.

Ars musicae

Ars musicae

Antes da bíblia, do grito, do verbo
já se soprava em ossos de pássaros.
Não era prece, nem pedido,
era flauta.
Aurignacianos, sem saber,
tocavam sinfonias para o escuro.

Vieram os tambores,
batucando peles e medos,
coagulando o tempo em compasso.
Veio a dança pintada em caverna,
o batuque que moveu a pedra
e a alma (se isso existia).

Muito antes do fiat lux,
já se cantava.
E talvez deus não tenha dito nada —
só assoviou um tema em modo menor.

Os neandertais, segundo consta,
tinham ritmo.
É possível que se apaixonassem
por meio de uivos sincopados.
Darwin, meio surdo, mas esperto,
achou que música servia
pra seduzir,
e não é que serve?

Bebês batem palmas sem saber por quê.
Pássaros flertam em falsete.
Gorilas dançam quando chove.
O que mais você quer como prova?

Escrevemos partituras em argila.
Inventamos escalas, ragas,
estrofes, árias e autotunes.
Platão desconfiava do tom menor.
Schopenhauer preferia Wagner.
No fundo, ambos queriam silêncio —
mas com trilha.

A música, dizem, é universal.
E é verdade:
ninguém escapa dela,
nem mesmo no elevador.

Os povos dançam, rezam, casam,
marcham, transam, enterram,
sempre ao som de algo.
Se não tem música,
o ritual é fraco, o gozo é morno,
o luto não pega.

E enquanto isso,
o maestro amigo me sopra entre goles:
“Gosto não se discute,
aprimora-se”.
E aprimoramos.

Mas uma coisa é certa:
deus não existe.
Existem as Deusas,
e a sublime, sagrada,
arte das musas.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

SurRondel azul

SurRondel azul 

Luz Azul
Aibofobia
Radar
Amanama

Reler
Luz Azul
Amanama
Radar

Reler
Luz Azul
Amanama
Radar
Reler

A fábula mineira

A fábula mineira
(Gustavo de La Fontaine)

Em um quintal de película velha —
Preto, branco e toda a escala média —
As frangas viviam, de alma apagada,
Numa luz de projetor, tremida, gasta.

Entre elas, sombras de um cinema mudo,
Bicando o pó, o nada, o absurdo,
Com o peito cinzento, o olhar de celuloide,
Coladas ao chão como figurantes de umroid.

Eis que entra a raposa, um raio de azul vivo,
Rasgando o fotograma, tentando um desvio.
Com o pelo de um oceano na pele,
Com o passo de um prince, que ninguém repele.

Com um golpe preciso — quase um verso final —
Colheu a presa no próprio quintal.
As frangas, na falta de cor e de norte,
Foram ao banquete… e ele à sorte.

Assim a fábula revela, pelo cinza e pelo tom,
A voracidade que mora no próprio som —
De um mundo a preto e branco, de alma presa,
Onde o azul é parte, sem choque, sem surpresa.

Alexandrim

Alexandrim 


De onde o horizonte é belo e as minas gerais,

Meu peito acende mundos na pele da fala;

A língua de nascença é o peito que exala

Seu próprio barro, ouro, espinhos, e metais.


Mas a outra, o francês, nas margens do Sena,

É um espelho torto onde a voz se embala;

Com tons de ironia, a alma se revela

Na dança de Paris, luzindo na cena.


Assim vou pelo mundo, de dois mundos cheio,

Com a palavra acesa, a lâmina no peito,

Colhendo o próprio nome pelo caminho;


Meu coração, de tanto, ficou alheio,

É ele próprio a terra, o livro, o leito —

Meu canto vai florindo, espinho a espinho.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Disque dur

Disque dur

Deusa morena,
do sorriso que esconde safadeza e sabedoria,
do olhar que me despenca —
olhar de quem sabe e provoca,
olhar de quem ri e domina.

Seu corpo:
extremamente apetitoso.
Não há metáfora mais justa.
É sonho, é banquete,
é desejo empilhado há quase vinte anos.

Quero sua boca,
essa que diz verdades com graça,
e que eu sonho em beijar
com a sede de quem atravessou desertos.

Uma mão se perde entre seus peitinhos de menina,
e a outra, generosa e firme,
acaricia sua bunda de rainha
de escola de samba.
Ah, esse desfile que mora em você!

Te despir com calma,
me despir também —
tudo em sincronia:
tatear, lamber, mapear seu corpo
como quem lê um texto sagrado
com a língua.

Dedilhar seu mamilo esquerdo,
durinho, arrepiado,
enquanto minha boca saboreia seu néctar,
e minha mão direita —
indicador e médio, apóstolos do prazer —
invocam seu ponto Genial.

Te ver cavalgar,
te ver subir e reinar,
até você jorrar uma véu da noiva
em espasmos sagrados
sobre nosso Ganges —
nosso leito sagrado.

E então te pôr de ladinho,
vaivém crescente,
alternância de abismos e voltas,
até o tempo entrar no be-bop:
frase curta, batida frenética,
socando tudo com ritmo e ternura.

Te ver encharcar o lençol outra vez.

E ainda te virar:
te pôr de quatro,
te analisar com a língua —
cientista e amante.
Dilatando devagarinho,
um dedo, depois dois,
talvez três…
até, com amor, sodomizar-te.

E no final, juntos:
gozamos.
E nos deitamos abraçados,
olhando o teto como quem contempla o céu de uma infância.
Tudo salvo no nosso disque dur,
esse que só se abre por reconhecimento facial,
onde mora o segredo do que é proibido —
e eterno.

terça-feira, 10 de junho de 2025

10/06/2025 (um ano e uma semana depois)

10/06/2025
(um ano e uma semana depois)

Pelos cinzas, dançam Wayne e o vento,
23° no dorso do tempo sem solo,
Tiramisú derrete o pensamento,
Fritz mia um solo no meu colo.

Strawberry Akel, em flor dissolvida,
Infant Eyes —
azul,
sem forma, sem culpa, com vida.

domingo, 8 de junho de 2025

Valhalla (Blauwe lente)

Valhalla

(Blauwe lente)


Stroopwafels ardem na língua do tempo,
grudam no céu da boca da eternidade —
cogu dança nos olhos de Van Gogh,
as orelhas dele sussurram Monique,
deitada nua sobre o lençol azul
que cobre o leito dos trilhos de Amstedã

A bicicletinha, sem freios nem freios,
corre sozinha pelas veias do mapa,
todos os canais levam aos seios fartos
que zombam da gravidade como anjos caídos
com mamilos que apontam pro além

Ghost Train Haze sopra seu feitiço,
traz risos que brilham em câmera lenta,
ergue torres de nuvem na mente febril
e faz da alma uma locomotiva
correndo sem trilhos, sem tempo, sem ré

Erva da boa gira nas hélices do pensamento,
confunde os ponteiros, dobra as horas,
cria pássaros feitos de fumaça e desejo
que cantam em holandês dentro do peito

Monique morde um stroopwafel com os olhos
enquanto Van Gogh pinta sua vulva em aquarela,
sem moldura, sem juízo,
só a verdade nua da carne surreal
onde o delírio acende seu cachimbo
e ri

Cai uma chuva boa prazenteira,
ácida, líquida, pulsante,
como se o céu também tivesse comido cogumelo —
pingos dançam, se multiplicam,
viram olhos que piscam nas calçadas,
línguas que lambem as vitrines do delírio

De dentro da bicicleta nasce um girassol.
E Monique, holanDeusa suprema,
sorri —
milagre loiro na esquina da loucura

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Papai é ateu, mas…

Papai é ateu, mas…

Florzinha,  
Vem cá, vou te contar com amor,  
Sobre deus, fé e o que for.  
Tem quem jure que ele está no céu,  
Com barbas brancas, num trono de véu.  

Outros, como eu, não crêem assim,  
E acham que deus pode ter outro fim.  
Mas, chérie, o que importa, de verdade,  
É viver com bondade, com curiosidade.  

Dizem que deus fez o mundo girar,  
Com estrelas, montanhas, o mar a brilhar.  
Mas talvez, Flor, só talvez, preste atenção,  
deus seja um conto do nosso coração.  

Como quando você inventa um herói,  
Com capa, coragem, que voa e se formou.  
As pessoas sonharam: “Como ele seria?”  
E deram a deus o que a alma queria.  

Deram amor, justiça, um olhar protetor,  
Histórias pra guiar, pra afastar a dor.  
Mas, às vezes, Flor, com tanto fervor,  
Esquecem de ouvir quem pensa com amor.  

Tem quem grite que só deus é a lei,  
E julgue o outro com fogo que sei.  
Mas, minha pequena, com asas no olhar,  
O mundo é mais livre pra quem sabe amar.  

Não é um deus que faz o bem brotar,  
É o coração que escolhe se doar.  
E se papai não crê num céu a rezar,  
É na terra que ensino você a voar.  

Seja gentil, curiosa, nunca se curve,  
Pergunte, descubra, o mundo é que serve.  
Pois mesmo sem deus, com ou sem razão,  
Papai é seu guia, com luz no coração.  

Decepção na Colméia

Decepção na Colméia

A deputada espanhola,
de cruz e pistola,
corre atrás do repórter negro
como quem caça esmola.

Invade sistema, finge ser outra,
pede PIX com fé devota,
posta selfie com arma e hóstia,
fala em deus com voz de idiota.

Falsidade? Sim. Ideológica.
Invasão? Também. Informática.
A pena? Dez anos, bem contados.
Mas seus passos já são italianados.

Si parte per l’Italia!
como quem vai à missa.
A extrema direita tem fé,
mas na justiça…

desliza.

Contemplar

Contemplar

Contemplar a cor da ausência,
o azul que arde sem pudor no contrabaixo das constelações,
onde cada nota vibra no útero do tempo,
e o tiramisú se derrete na língua da memória.

Molhadinha, faróis acesos —
a noite se oferece em carne de vela,
com os olhos vidrados no golaço do Cabuloso,
onde a arquibancada uiva em esperanto lunar.

Jack Herer canta no pulmão do infinito,
as cinzas dançam com os seios da fumaça,
e o cheiro de Deusa no cio
abre fendas no real,
fazendo do delírio
uma flor.

Contemplar, então,
é descalçar a lógica,
e caminhar nu
sobre o dorso azul
da imaginação.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Un an

Un An

Aujourd’hui, un an. Et tout se tait,
sans ta présence, ton amour parfait.
Le temps s’étire, mais peine à guérir
la plaie de t’avoir vu partir,
toi, mon premier, ma racine vive,
mon fils perdu au bout d’une dérive.

Entre le deuil et un souffle apaisé,
douze années d’un combat épuisé.
Maintenant tu dors, délivré du mal,
près de ta mère, dans l’amour total.

Ton rire demeure, lumière en secret,
dans la nuit des jours, quand le soleil se tait.

Um ano

Um Ano

Hoje faz um ano. E tudo é silêncio,
sem sua presença, seu afeto imenso.
O tempo caminha, mas mal cicatriz
a dor de perder meu primeiro, meu raiz.

Fico entre o luto e o alívio —
doze anos de luta, um longo declive.
Agora descansa, livre da dor,
com sua mãe atriz, no mesmo amor.

Seu riso persiste, secreto farol,
no escuro dos dias, no frio do sol.

domingo, 1 de junho de 2025

Ūnicae

Ūnicae

Foi o amor mais puro, mais sincero, mais intenso — desses que parecem ter sido escritos por um poeta febril, e não vividos por dois seres imperfeitos. Anos de devoção quase mística, um tesão desmedido, beirando a obsessão, como se amar fosse perder-se com gosto no outro. E eu me perdi. Pisei feio na bola. A separação veio como sentença. Não houve apelação, apenas o silêncio e a distância.

Anos depois, compreendi — com a sobriedade que só o tempo e a abstinência trazem — que foi uma das melhores coisas que me aconteceram. Parei de beber. Parei de me enganar. Fui um desastre com ela, sim. Mas também fui jardim em dia de primavera, porto seguro em noite de tempestade. Tenho plena consciência disso.

Até tentamos retomar uma amizade nos últimos tempos, mas sua chatice, que é uma característica recente, presente coincidentemente desde que ela começou a fazer análise, acabou por me despertar, por um lapso de tempo, minha maladresse que a incomodava tanto, e isso deu um banho de água fria no processo de retomada da amizade. Amizade que não acredito mais ser possível, afinal, além de ela me ter “riscado da sua vida”, segundo ela mesma, a pessoa deliciosa que foi uma grande amiga durante dez anos antes de nós apaixonarmos, parece não mais existir.

Ela, por sua vez, tornou-se aquilo que mais temia: intolerante, dura, azeda como vinagre velho. Seu jeitinho agressivo, aquele jeito bruto que só mostrava a quem mais confiava, virou espada afiada. Riscou meu nome do seu livro da vida com a fúria de quem queima cartas antigas. Ela guardou os desastres como troféus, enquanto eu carrego as alegrias como cicatrizes que brilham. Não creio que um dia ela se permita ver que também feriu, que também quebrou coisas que eu não consegui colar. Talvez nunca reconheça que fui, além de desastrado, também motivo de risos, de orgasmos, de ternura.

Mas, como não sou dono da razão, e aprendi que o mundo é um redemoinho imprevisível — quem sabe?…

Hoje sigo em paz, feliz com o que o destino me reservou. E, ao contrário da eterna musa, não a risquei, nem a riscarei da minha história. Ela mora num canto do coração onde as luzes são suaves, e a trilha sonora é a do sexo que faz esquecer quem se é. Porque seu segredo, a arma mais poderosa, é esse: o sexo divino. Aquilo que hipnotiza mesmo os homens mais lúcidos.

E se um dia — por obra do acaso ou das perversões do destino — eu puder reviver essa magia… não negaria. Mas que não passe disso. Sem promessas, sem armadilhas.

Porque sei, com uma certeza serena, que ela foi — e sempre será — a mulher da minha vida. E, ao mesmo tempo, aprendi que a vida é larga, generosa e cheia de surpresas. E que é totalmente possível ter outra mulher da minha vida. Ou mais de uma. Ou nenhuma. Porque amar, às vezes, é deixar ir. Outras vezes, é ficar quieto. E seguir.

Fritz en sécurité

Fritz en sécurité

Les grilles pour sécuriser les fenêtres sont arrivées.
Je vais trouver quelqu’un (peut-être un voisin) pour m’aider à les installer.
C’est très simple, mais avec mon handicap,
il n’y a que le sexe qui reste simple — seul ou accompagné.