terça-feira, 13 de maio de 2025

Tempus Renascentiae

Tempus Renascentiae

O homem bebia.
Desde os doze, talvez antes,
como quem aprende a escrever:
um gole, uma letra,
um trago, uma sílaba de gozo.
Bebia com os amigos
(com amigos se bebe),
bebia com as panelas fumegantes,
com o sexo suado,
com a música aos berros,
com os livros cheios de sombras,
com o trabalho febril de criar.
Bebia até com a solidão —
e ela, a solidão, virava companhia.

Trinta anos de goles.
Não era vício, dizia —
era sabor.
O álcool era o azeite das engrenagens,
o sol do domingo,
o beijo que molha o verso.

Mas um dia, o copo ficou na mesa.
Não por nojo, nem por fé,
mas por desamor do cérebro,
e amor por alguém.
Foi parando de beber
como se vai morrendo por dentro.
E parando de gostar.
Primeiro o riso, depois o bife,
depois a palavra.
A mulher da vida foi embora
e levou com ela
o último suspiro da alegria.

Vieram os doutores.
Receitaram cápsulas,
exorcismos químicos
contra o que chamavam de abstinência.
Mas os remédios criaram um zumbi:
olhos de vidro, mãos de algodão,
um pai tentando ser pai
na névoa de calmantes.
Só os filhos,
os quatro eternos sóis,
ainda aqueciam um canto da alma.

Ele dormiu por anos,
acordado.
O mundo era um filme sem cor
e sem som.

Até que um dia,
de tão cansado de não sentir,
abandonou os frascos e os jalecos.
Saiu à rua com sede —
não de álcool,
mas de qualquer gosto que lembrasse
que era vivo.

E foi provando:
o aroma do café quente,
o riso solto dos filhos,
o sopro de uma canção antiga,
o goulash feito com mãos próprias.
E mesmo quando a vida
lhe arrancou o primogênito
(e arrancou com os dentes),
ele não tombou.

Hoje caminha
sem muletas químicas,
sem a bengala dos bares.
Caminha, e sorri.
Come, ouve, ama, escreve.
E descobre, enfim,
que o prazer é um bicho
que sabe viver melhor
sem álcool no sangue
ou fantasmas na mente.

O homem se curou.