A Farmacêutica
Conheceram-se no verão,
entre tarjas pretas e tarjas de dor.
Ele entrou sem o filho — só a solidão
e uma receita com sobrenome de amor.
Ela leu, franziu a testa:
“Você é o pai do Klayton Kleber?” — perguntou, surpresa.
Ele assentiu, com a alma em festa
de luto. Contou a perda com voz indefesa.
Desde então, cada ida era mais leve.
Ela sorria como quem saboreia poesia,
falava doce, o olhar que descreve
o que a bula da vida nunca diria.
No fim do inverno, não tinha o remédio.
Ela disse, simples: “Chega amanhã.”
Ponto final, sem mistério.
E foi aí que ele, com jeito de quem já é fã,
perguntou: “Vocês entregam?” — com calma.
Ela sorriu, um tanto perigosa:
“Não… mas eu posso levar, se não der trauma.
Na hora do almoço. Prometo: sem demora.”
Ele hesitou. “A cuidadora vem na sexta.”
Mas ela insistiu — com aquela voz mel
e um gesto sutil de mulher modesta
que sabe o poder que tem na pele e no pincel.
No dia seguinte, ela chegou: discreta, gostosa,
casaco leve, perfume sutil, batom claro.
Entregou o remédio como quem entrega uma rosa
e foi embora, deixando no ar algo raro.
Dois meses se passaram. Já era primavera.
Outro remédio em falta — coincidência? Talvez.
Dessa vez, ele aceitou sem espera.
Ela chegou com legging e batom vermelho em altivez.
Ele convidou: “Quer um chá, ou uma água?”
Ela sorriu com malícia: “Depois.”
Entrou direto, sem nenhuma frágua,
agarrou o velho como quem não tem depois.
Beijo quente, língua que dança.
Foram pro quarto, onde o mundo se apequena.
Ela montou como quem já lança
raios de tesão por cada pequena veia serena.
Transaram selvagemente, sem pudor nem lerdeza.
E no clímax — ah, no clímax! — ela esguichou,
como fonte que há anos guarda a represa
e, enfim, com prazer, se libertou.
Ela foi embora dizendo que ligaria.
Ligou — número oculto, voz quente.
No dia seguinte, mais prazer, mais energia.
Mas sem conversa, só corpo, só urgente.
No terceiro dia, ele saía do banho,
preparando-se pra fisioterapia.
Ela chegou, molhada de desejo estranho
e depois do gozo… veio a revelia:
“Estou em união estável há seis anos,
mas contigo eu gozei como nunca sonhei.
Três dias contigo valem mais que tantos planos…
decidi: vou me separar, já falei.”
Ele, experiente, olhou fundo, com calma,
e disse o que só um velho esperto diz com a alma:
“Você tem trinta e seis, e está pensando com o útero, flor.
Não vale a pena largar anos de história
por três dias de orgasmos com um velho handicapé, por favor.”
“Foi lindo, foi louco, foi bom!
Mas não confunda tesão com salvação.
Ensina seu homem, não joga tudo no chão.
Guarda o que foi nosso como um sonho bom.”
Ela chorou. Ligou por três dias, aflita.
Depois, silêncio.
E ele, precavido,
mudou de farmácia.
Porque até os velhos com andador
sabem quando a paixão
vem sem posologia
e sem controle de dose.