terça-feira, 1 de julho de 2025

Alerta vermelho

Alerta Vermelho

Três da tarde, 37 graus aqui na cidade luz. Primeiro de julho, comecinho do verão. Paris tem um clima oceânico temperado – com fleur de sel, poivre e mostarda de Dijon, claro. O que é outro jeito de dizer que costumava ser suportável.

Hoje, no entanto, o termômetro se derrete junto com as certezas climáticas e os sorvetes de pistache do Marais. Na sombrinha do ponto de ônibus, uma senhora abanando o pescoço com o Charlie Hebdo sussurra em francês: “C’est pas normal”. Pois é. Nem aqui, nem lá.

Cresci em BH, nos anos 80, no verão de lá, me lembro que fazia muito calor. O chamado clima tropical de savana – calorzinho limite sacana. Aquele que grudava a camiseta nas costas igual promessa de campanha depois da eleição. Íamos para o clube, eu, meus irmãos e amigos, e ficávamos na piscina até os dedos ficarem como os da Dona Odete, da mercearia do bairro – enrugados e cheios de histórias mal contadas.

Lembro do sol batendo no cimento quente, do Chica-bon derretendo mais rápido que paciência de mãe, e do som dos chinelos arrastando. Isso era verão. E mesmo assim, havia sombra, havia noite fresca, havia um certo alívio depois do Jornal Nacional.

Depois, tenho a impressão de que só foi esquentando, a cada ano. O verão passou a ser um parente inconveniente que chega cada vez mais cedo e com mais bagagem térmica. Na última vez que estive lá no verão, quando ainda era casado, dava um jeito de escapulir no meio da tarde, e pegava uma senha na Caixa, ali na Guaicuí, para desfrutar tranquilamente do ar-condicionado – obrigatório nos bancos desde que me entendo por gente – e ler um bom livro. Ar-condicionado e literatura: dupla de salvação nacional.

Não tenho lembranças exatas das temperaturas durante minha infância, mas me lembro do termômetro – aquele com propaganda de cigarro – que tinha em frente ao Palácio das Artes, marcando 33 graus, no final do ano, fim dos anos 80. Ironia fina: enquanto as crianças se bronzeavam na piscina, os adultos acendiam um Derby Light, à sombra da cultura.

Já em 2015… na praça Tiradentes 38 graus! E o mesmo termômetro agora patrocinado por um laboratório de ansiolítico. Um avanço.

Na França, dizem que o calor é mais civilizado. Mentira perfumada com lavanda. Em 2003, passei um calor da porra aqui, e aprendi uma nova palavra: canicule. Bonita até, né? Parece nome de sobremesa. Mas é só o inferno dizendo bonjour. No começo de agosto, o termômetro da farmácia perto do meu trampo, na praça Victor Hugo, marcava 39,5 graus.

Victor Hugo, inclusive, teria suado os bigodes se ainda estivesse por aí.

Mas não era assim todos os dias, graças às Deusas! Ainda havia brisas tímidas, uma ou outra chuva educada. São diferentes os verãos. Apesar de picos semelhantes, o ar é diferente. Aqui chove pouco. Tem menos ar-condicionado, mas também menos dias de calor insuportável. Ou, tinha.

Hoje, alerta vermelho. Literalmente. A prefeitura recomenda que os velhinhos fiquem em casa e que ninguém se emocione demais no transporte público. Porque emoção dá suadouro, e suadouro agora pode ser fatal.

Conclusão: o aquecimento global existe. E não é teórico, não é estatístico, não é abstrato como tese de mestrado em climatologia. É concreto, é suado, é queimadura de primeiro grau na pele e de segundo na consciência.

E pensar que teve gente que, até ontem, chamava isso de “ciclo natural”. Ah, sim. Natural como um prédio pegando fogo porque alguém achou que vela era energia limpa.

Três da tarde, 37 graus.

Paris derretendo aos poucos, igual camembert esquecido na sacola do Carrefour.

E eu aqui, olhando pro céu sem nuvem, pensando se o fim do mundo virá com fogos ou com fuligem. Enquanto isso, a cidade, sempre tão elegante, tira discretamente o paletó.

Como quem diz: não era isso que eu esperava da humanidade, mas tudo bem.