Coisinha
Inconsciente é bicho que não dorme,
mas age escondido, sem ter patrão.
No escuro do eu, dita o tom e a forma,
ri da razão como um bom charlatão.
Complexo de Édipo — drama e novela —
te amo, mamãe, mas ouço o sinal.
O desejo caminha em passarela
entre o afeto e o limite ritual.
Repressão: meu hábito mais discreto.
Não nego o que sinto — só dou espaço.
A vontade se esconde, não por veto,
mas pra dançar depois, no seu compasso.
Sublimação: pinto o nu que acende.
Desejo se escreve em verso e desenho.
O fogo transforma, e a arte entende
que o que era impulso, agora é empenho.
Transferência: dou amor a quem ouve.
Mas vejo no outro o que mora em mim.
Não é ilusão — é ponte que move
o que antes fluía sem ter um fim.
Ordens simbólica, imaginária e real —
três jeitos de ser e se perceber.
Na primeira, eu falo; na segunda, ideal;
na terceira, o mundo vem me escrever.
Estádio do Espelho: vi quem nascia.
A imagem brilhava: um eu possível.
Não era mentira, era poesia —
um rosto em processo, sutil, visível.
Nome-do-Pai é a Lei dita com eco:
“Desejar, sim, mas com forma e medida”.
Não freia, não corta — desenha um beco
pra que o desejo encontre sua saída.
Objeto a: coisinha sem sentido,
mas que, sem ter nome, me nomeia inteiro.
É falta criativa, brilho contido,
ponto de fuga do meu verdadeiro.
Falo — não só o órgão (fica claro!) —
mas o eixo, o traço, a rede, o sinal.
É símbolo vivo, jamais mero amparo,
tecendo sentidos no campo verbal.
Por isso sempre digo, entre tropeços,
na língua em que eu danço, sonho e embalo:
“às vezes falo com’eu penso…” — avessos,
às vezes penso co’meu falo.” — e me exalo.
Por isso…