sábado, 17 de março de 2012

Desabafo de Pedro G. Mendoza


Durante a infância, admirava as crianças que brincavam e se divertiam com tão pouco. Apesar da minha frieza e sarcasmo, vivia cercado delas, de todas as idades. Fui desenvolvendo uma espécie de magnetismo, uma arrogância contagiante, que fazia-me sentir, na adolescência, um verdadeiro guru adorado por uma trupe de inocentes pobres coitados. A necessidade de ir além, de conquistar pessoas menos desinteressantes, me fez mudar os ares e assim o público alvo. Rapidamente havia cativado intelectuais, artistas, aristocratas... e suas esposas, cunhadas, sobrinhas, filhas... Popular, tive muitos amigos e como companheira, tinha a noite inteira. Amigo de reis, tive mulheres que quis, em leitos, assentos, mesas e solos que o destino reservou. Meus filhos, mais belos que Narciso (teriam vindo do paraíso?), sonhava que me levariam ao Olimpo, onde provavelmente seria barrado por razões óbvias. Religioso, rezava para Baco. Bom súdito de Gambrinus, na terra merecia um buraco. Os anos se passaram, convicções deram lugar a dúvidas e aquela espécie de magnetismo foi aos poucos sofrendo um processo de inversão. Não estava mais cercado de amigos, não tinha mais as mulheres que queria, não suportava mais a solidão. No banco da praça, amigos alados vinham em troca de pão. Durou pouco. Parece-me que o pão da minha vizinha de banco era mais apetitoso. Senhora elegante, passava o dia dois bancos adiante. Nos olhamos uma vez, mas nunca trocamos uma só palavra: Ela me havia roubado os únicos amigos. Não conseguia habituar-me à solidão, precisava fazer algo para mudar a situação. Foi então que me transferi do banco da praça para um cantinho debaixo do viaduto. Foram dias felizes, era freqüentado por nobres insetos e simpáticos roedores, provavelmente atraídos pelo acre dos meus pensamentos, meus enfáticos odores. Até que, num rato, meus novos amigos haviam desaparecido. Comecei a compreender que minha sina era ter eu mesmo como única companhia. Hoje estou aqui, conforme o prometido, agarrado ao pé desta fraga, sob a sombra, onde o corvo José faz do meu miúdo que se regenera seu amuse-bouche. Cansado, espero a sorte, com sua majestosa foice.

Traduzido do portunhol por Geraldo Cavallini